Como sabido por todos, a pandemia gerou impactos de magnitude excepcional na economia global. medidas de isolamento social fizeram o capital girar em menor proporção, tendo em vista que houve redução no consumo de produtos, ora pelo receio causado nos consumidores decorrentes dessa situação ora pelas dificuldades financeiras em decorrência do momento vivido.
Em relação à crise econômica, verifica-se que determinados setores estão sofrendo impactados de forma mais severa do que outros e, neste ponto, pode-se citar a indústria de eventos e turismo. Isto porque, em face das medidas adotadas pelas autoridades, os pontos turísticos estão interditados para visitação e não estão sendo emitidos alvarás para a realização de eventos, uma vez que ambas as ocorrências promovem a aglomeração de pessoas.
Diante deste cenário de incertezas, o governo federal editou a MP 948/2020, que foi publicada no dia 08 de abril de 2020, a qual dispõe sobre o cancelamento de serviços, reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura em razão da pandemia do COVID – 19.
Antes de adentrar ao conteúdo da MP é importante frisar que este artigo busca apresentar de forma ampla as medidas apresentadas, analisando o ponto de vista do consumidor e do prestador de serviços.
Feita a ressalva, passa-se à análise do conteúdo jurídico.
Inicialmente, a MP 948 aponta quais medidas podem ser adotadas em caso de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos. Neste ponto, os prestadores de serviços não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:
1) a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;
2) a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou
3) outro acordo a ser formalizado com o consumidor.
É possível observar que a Medida Provisória apresenta 03 (três) opções que não são cumulativas, ou seja, o fornecedor do serviço e o consumidor podem optar por qualquer uma das opções supracitadas. Em uma primeira análise, é possível constatar que são opções razoáveis para o momento que está sendo vivenciado.
Em seguida, nos termos do parágrafo primeiro, as opções mencionadas deverão ocorrer sem custo adicional, taxa ou multa ao consumidor, desde que a solicitação seja efetuada no prazo de noventa dias da data de entrada em vigor da Medida Provisória. Ou seja, 08 de julho de 2020.
Contudo, ao analisar de forma mais profunda cada uma das opções elencadas, verifica-se que há diversos fatores que podem incidir nas escolhas.
Com relação a primeira opção de remarcação, deve ser destacado que há alguns serviços que podem sofrer variações de preço em detrimento de fatores externos. Como exemplo, cita-se empresas de 02 (dois) segmentos: i) turismo, que baseia seu preço em moeda estrangeira que sofre variação cambial; e ii) cultivo de flores para eventos, a qual geralmente tem seu preço determinado de acordo com as flores disponíveis em cada estação.
Assim, a previsão de que os preços cobrados não podem sofrer alterações pode gerar um desequilíbrio no contrato estabelecido entre fornecedor e consumidor.
Para minimizar este risco, a Medida Provisória 948 apresenta que nas hipóteses de remarcação de serviços, deverão ser respeitados 02 (dois) critérios: O primeiro é a sazonalidade e os valores contratados originalmente, que consiste na verificação do período em que o serviço foi contratado. Aplicando-se este critério aos exemplos mencionados, o período corresponderia à alta ou baixa temporada para turismo e às flores disponíveis em cada estação, respectivamente.
Já o segundo critério que deve ser obedecido nas hipóteses de remarcação é que as partes poderão reagendar o serviço pelo prazo de doze meses contados do fim do estado de calamidade pública. Atualmente, caso não haja prorrogação, o estado de calamidade pública está previsto até 31 de dezembro de 2020. Considerando essa prerrogativa, as partes têm até o dia 31 de dezembro de 2021 para remarcação.
Analisando a segunda opção em caso de cancelamento, caso as partes optem pela disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, o prazo para utilização será o mesmo mencionado no parágrafo anterior.
Na adesão da última opção, a medida provisória não estabeleceu nenhum parâmetro, permitindo liberdade entre as partes para encontrar a melhor solução.
Medidas como essas são extremamente válidas para esse momento, pois salvo raras exceções, o mercado não estava preparado para esse período e também não possui soluções simples para resolver todos os impactos causados pela pandemia.
Sendo assim, o bom senso e o diálogo devem prevalecer entre consumidores e fornecedores, a fim de que os danos sejam minimizados para ambos.
Neste mesmo sentido foram as palavras do Ministro João Otávio de Noronha, Presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual disse que:
Este momento exige muita negociação. A revisão não é panaceia para todos os desequilíbrios contratuais; depende da atividade, do setor, dos fatos que envolvem a relação contratual. Nós precisamos entender que a revisão dos contratos é singular, deve ser vista caso a caso.
Por fim, existe também a hipótese de impossibilidade da escolha de uma das três opções, em que o prestador de serviços ou a sociedade empresária deverá restituir o valor recebido ao consumidor, atualizado monetariamente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E, no prazo de doze meses, que deverão ser contado a partir de 31/12/2020.
Importante ressaltar que, apesar das medidas trazidas pela MP 948, ainda sim existirão conflitos que deverão ser solucionados junto ao judiciário.
Assim, considerando uma expectativa de aumento nas judicializações dos conflitos, a medida provisória prevê que as relações de consumo afetadas caracterizam hipóteses de caso fortuito ou força maior e não ensejam danos morais, aplicação de multa ou outras penalidades.
Com relação a esta previsão, ainda não há nenhuma manifestação do poder judiciário, mas há indícios de inconstitucionalidade. Isto pelo fato de a reparação por dano moral estar prevista na Constituição Federal, bem como pelo fato de que cada caso pode ter implicações distintas, em que as negociações podem ser abusivas ou extremamente prejudicial para uma das partes. E, havendo abusos, o dano moral não poderá ser considerado caso fortuito ou força maior.
Ainda no tocante aos litígios advindos da impossibilidade de acordo, há uma grande tendência de aumento das demandas judiciais. Além disso, o judiciário possui um tempo mais longo para solucionar os conflitos, podendo gerar um gasto financeiro para ambas as partes.
Logo, apesar da evolução e do esforço das medidas trazidas pela MP 948, nota-se que há espaço para discussões e o consequente estabelecimento de outras ações em benefício de ambas as partes.
Portanto, conclui-se que o principal objetivo da Medida Provisória 948 é apresentar um direcionamento jurídico no momento de renegociação entre os fornecedores de serviços e consumidores pelos possíveis cancelamentos de serviços, reservas e eventos em face da pandemia causada pelo COVID – 19.
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